segunda-feira, 12 de março de 2012

"Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão"

Em "Mulheres que correm com Lobos", de Clarissa Éstes, assim está:


"O corpo é um ser multilíngue. Ele fala através da cor e da temperatura, do rubor do reconhecimento, do brilho do amor, das cinzas da dor, do calor da excitação, da frieza da falta de convicção. Ele fala através do seu bailado ínfimo e constante, às vezes oscilante, às vezes agitado, às vezes trêmulo. Ele fala com o salto do coração, a queda do ânimo, o vazio do centro e com a esperança que cresce.
O corpo se lembra, os ossos se lembram, as articulações se lembram. Até mesmo o dedo mínimo se lembra. A memória se aloja em imagens e sensações nas próprias células. Como uma esponja cheia de água, em qualquer lugar que a carne seja pressionada, torcida ou mesmo tocada com leveza, pode jorrar dali uma recordação.
Limitar a beleza e o valor do corpo a qualquer coisa inferior a essa magnificência é forçar o corpo a viver sem seu espírito de direito, sem sua forma legítima, seu direito ao regozijo. Ser considerada feia ou inaceitável porque sua beleza está fora da moda atual fere profundamente a alegria natural que pertence à natureza selvagem.
As mulheres têm bons motivos para refutar modelos psicológicos e físicos que são danosos ao espírito e que rompem o relacionamento com a alma selvagem. É claro que a natureza instintiva das mulheres valoriza o corpo e o espírito muito mais por sua capacidade de vitalidade, sensibilidade e resistência do que por qualquer avaliação da aparência. Esse ponto de vista não pretende descartar aquilo que seja considerado belo por qualquer segmento da cultura, mas, sim, traçar um circulo mais amplo que inclua todas as formas de beleza, forma e função."


Analisando todas as mulheres que um dia fui, até a mulher que hoje sou, percebo que sucumbi às pressões dos moldes. Forcei as minhas silhuetas física e psíquica a se encaixarem nos parâmetros de pessoas que nem conhecia. Formas essas que eram repetidas por aqueles que mais me amavam. Sem se darem conta de que ao invés de endireitar as minhas costas, me amassavam e entortavam em posições bizarras.

Analisando o processo de desenvolvimento das mulheres da minha vida, todas interpretadas por mim, percebi que os momentos de surto e revolta representaram o movimento desesperado de libertação da minha verdadeira alma feminina, que se encontrava refém, amarrada e amordaçada na prisão de um molde irrepreensível aos olhos.

A natureza feminina é tão forte, instintiva, poderosa e autônoma que ela venceu. Venceu em mim, vence todos os dias em várias mulheres e continuará vencendo. A beleza da mulher está na suavidade da força. Na compaixão justa. Na astúcia humilde. Na autonomia solidária. No individualismo compartilhado.
A natureza feminina é completa e comporta todas as estações em um único sistema. Ser mulher é ter a constância dos ciclos. É manter estável a instabilidade.

Perfeita não é a mulher boa. Meiga. Pacífica. Bela.
Perfeita é aquela que, como a natureza, equilibra e respeita todas as suas faces. Convive naturalmente com suas características, melhores ou piores. E domina suas ações, ora boas, ora nem tanto, de acordo com a sua vontade e sua verdade. Sem medo dos rótulos.

A perfeição ainda é uma utopia. Não é de uma hora pra outra que se aprende a ser mulher de verdade. São tantos anos de aprisionamento que a mulher selvagem se encontra "fora de forma". E ainda há muita pressão para que ela continue silente. Pressão exercida pelas próprias mulheres, na maioria das vezes. Por culpa, covardia, vergonha.

E no dia das mulheres desse ano, eu desejei que o instinto feminino se sobressaia. Para mim e para tantas que ainda dormem. E que permitamos que ela nos conduza nessa missão sublime de ser mulher.





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